O SONO DO GOLFINHO
(por Eduardo Bouth Sequerra)
Estamos celebrando esta semana o
“Brain awareness week”, evento que reúne diversas instituições mundo a fora
para divulgar as neurociências. No Rio de Janeiro está acontecendo a incríveliniciativa de levar essa ciência tão interessante para a praia (veja em http://oglobo.globo.com/saude/evento-em-copacabana-promove-testes-para-estimular-cerebro-7808451).
Então vou aqui aproveitar a deixa para falar de animais que só vemos por lá, os
cetáceos. Acontece que os cetáceos são mamíferos como nós e possuem
necessidades fisiológicas semelhantes, dentre elas dormir. Estes animais vivem
dentro d’água e respiram fora dela e ai se forma um problema: como dormir sem
morrer afogado?
Em 1977, Mukhametov e colaboradoes
publicaram os resultados de eletroencefalogramas dos cérebros de golfinhos
nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus). E o que eles observaram foi que os dois
hemisférios cerebrais dormiam em momentos diferentes! Pois é, diferente dos
mamíferos terrestres, os golfinhos conseguem se manter nadando enquanto dormem.
Para isso eles dormem com um lado dos seus cérebros de cada vez, o chamado sono
unihemisférico.
Quando estão dormindo com um de
seus hemisférios o olho do lado oposto fica fechado, enquanto o do mesmo lado
fica aberto, alerta. Lyamin e colaboradores (2007) acompanharam mães e filhotes
de golfinhos durante os primeiros meses de vida. Eles observaram que o olho
aberto do filhote estava preferencialmente virado para a mãe a maior parte do
tempo. Golfinhos conseguem manter-se alerta por muitos dias o que especula-se
pode ser importante não só para respirar como para manter a coesão de grupos e
evitar predadores.
O sono pode ser dividido em duas
fases, a de ondas lentas e o de movimentos rápidos dos olhos (sono REM). O sono
unihemisférico de mamíferos aquáticos é composto quase que totalmente por sono
de ondas lentas. O sono REM é muito pequeno ou pode estar totalmente ausente em
algumas espécies. Em mamíferos terrestres, como nós, o sono REM é caracterizado
pelo total relaxamento muscular e pelo desligamento da regulação da temperatura
corporal. Acontece que a perda de tônus muscular é incompatível com o nado e a
falta de controle da temperatura corporal em baixo d’água deve levar a um
esfriamento muito rápido dependendo da temperatura desta.
Muitas espécies apresentam sono
unihemisférico e este apareceu em diferentes grupos independentemente. Além dos
golfinhos, outros mamíferos aquáticos como baleias, leões marinhos, peixes-boi
e o boto do rio Amazonas também fazem sono unihemisférico. E aves também fazem.
Até hoje só foi possível registrar o sono de aves no solo mas acredita-se que
aves migratórias, que passam muitos dias voando, possam voar e dormir ao mesmo
tempo. As galinhas dormem com um olho e deixam o outro na raposa.
Os mamíferos aquáticos são um
lindo exemplo de como a fisiologia do sistema nervoso é plástica e adaptável
aos hábitos das espécies. Ainda vamos precisar muitos estudos com estes
incríveis animais para sabermos como os hemisférios cerebrais dissociam as suas
atividades e depois as reconectam.
Lyamin O,
Pryaslova J, Kosenko P, Siegel J (2007) Behavioral aspects of sleep in
bottlenose dolphin mothers and their calves. Physiol. Behav. 92:725-733.
Mukhametov
LM, Supin AY e Polyakova (1977) Interhemispheric asymetry of the
electroencephalographic sleep patterns in dolphins. Brain
Res. 134:581-584.